Reflexões!

ESTE TEXTO EU PRODUZI EM 2007, AINDA QUANDO TRABALHAVA DIRETAMENTE COMO PROFESSOR DE CRIANÇAS!

DE LÁ PRA CÁ MUITA COISA MUDOU, MAS A TEMÁTICA DA REDUÇÃO E REUTILIZAÇÃO DO LIXO CONTINUA EM PAUTA!!



UM OLHAR LÚDICO PARA A SUCATA: LIXO QUE VIRA BONECO, QUE VIRA ROBÔ, QUE VIRA CACHORRO, QUE VIRA DIVERSÃO!

Rodrigo Humberto Flauzino

Notícias sobre a crise ambiental pela qual o nosso Planeta vem passando estão cada vez mais em pauta. As graves situações veiculadas na mídia sobre as mudanças climáticas, o buraco na camada de ozônio, a produção excessiva de lixo, entre outras, nos deixam, na maioria das vezes, vulneráveis e com a incomoda sensação de incapacidade para lidar com tais problemas.
No entanto, como diz a pedagoga australiana Lucia Legan, é necessário que as pessoas admitam que, como habitantes do planeta, é preciso se “engajar em iniciativas privadas e públicas para manter a Terra sadia hoje, e para o amanhã” (LEGAN, 2004, p 141). Para a autora, apesar da dimensão do trabalho de melhorar nosso mundo parecer assustadora, é preciso fazer valer o lema: “PENSE GLOBALMENTE, AJA LOCALMENTE”.
Nesse contexto, a educação assume papel fundamental. Consideramos que é a partir dela que educadores, crianças, famílias e outros integrantes da comunidade podem, em diferentes âmbitos, planejar e desenvolver ações pedagógicas conjuntas, as quais sejam capazes de fazer com que os sujeitos adotem condutas de respeito ao meio ambiente, conscientizando-se sobre o consumo racional de diferentes recursos e produtos.
Na Creche e Pré-escola Carochinha – COSEAS USP, campus de Ribeirão Preto, a atenção às questões ambientais começa ser trabalhada desde sempre. Os projetos educativos desenvolvidos junto às crianças, pelos profissionais que lá trabalham, vão desde o direcionamento dos olhares das crianças para a observação dos fenômenos da natureza até as ações de coleta seletiva de lixo, passando pelas discussões e implantações de composteiras para o aproveitamento de restos de alimentos e produção de adubo orgânico, utilizado posteriormente nas hortas cultivadas pelas turmas.
Outras ações desenvolvidas na instituição também giram em torno da produção de elementos decorativos e brinquedos a partir do uso de sucatas. Em vários ambientes da Creche, tais como salas, corredores e pátios, podemos observar móbiles dependurados, jogos e brinquedos criados com muita criatividade, e sob o entendimento de que os espaços devem ser organizados de forma desafiadora e rica em estímulos para a meninada. 
Em minha trajetória como educador na Creche, pude compartilhar dessa concepção. Passei a compreender melhor que a idéia de reaproveitar materiais, além de ser algo ecologicamente correto, também pode ser uma grande aliada, uma ferramenta extra, no momento do profissional produzir novos objetos, confeccionar parte de seu material didático ou, ainda, na hora dele criar personagens e brinquedos que sirvam para aproximar a garotada do aspecto lúdico inerente à educação infantil.
Nesse sentido, já há algum tempo, venho desenvolvendo simpáticos bonecos como robôs, tartarugas, cachorrinhos, peixes, bumbas-meu-boi, usando como matéria-prima os materiais que são descartados por nós, diariamente, em nossas casas, locais de trabalho etc.
Sim, isso mesmo! Descobri que sucatas podem se transformar em objetos muito divertidos, de grande qualidade e valor estético para os meninos e as meninas brincarem! E afirmo mais: se lançarmos um olhar cuidadoso sobre aquilo que adquirimos, usamos e, posteriormente, descartamos, notaremos que o lixo não é tão inútil assim, muito pelo contrário, veremos que seu potencial de transformação, pela ação de nossas mãos, é imenso!
Comece só a reparar: quando você vai ao supermercado fazer compras, além de pesquisar preços e selecionar produtos, você também costuma reparar na forma como estão dispostos, por exemplo, os produtos para o cuidado com os cabelos? Parece loucura perguntar isso, não é mesmo? Ainda mais com essa correria do dia-a-dia, com os preços altos e tantas outras questões para se pensar.
Mas fale a verdade: você nunca se encantou com aquele colorido das gôndolas de xampus, condicionadores e cremes pra pentear? Não? Eu sim... Para mim, toda aquela organização se assemelha a um grande arco-íris de plástico, só que de diferentes marcas, qualidades, valores, tamanhos...
Portanto, vou insistir mais um pouco nessa questão. Pense um pouco no momento em que você descarta uma embalagem. Já reparou REALMENTE no lixo que está jogando fora? Já viu quantas caixas, latas e recipientes, de diferentes formatos, cores e texturas, são descartadas por nós? Você já teve “pena” de se desfazer de um colorido frasco de desodorante ou de um belo pote de xampu? Já prestou atenção na coloração das tampinhas de garrafas de refrigerantes, sucos ou águas que toma quando está com sede? Já percebeu que essas pequenas rosquinhas exibem tonalidades multicoloridas, ora transparentes, ora verdes, amarelas, azuis, vermelhas, lilases? Não?!? Pois, aqui vai um conselho: é melhor começar a prestar mais atenção! Dessa sucata que você descarta podem surgir belíssimos brinquedos e enfeites! Quer conferir?

Episódio 1: Um trabalho sobre embalagens e um boneco de rótulos

No início de 2007, desenvolvi com meu grupo de crianças um pequeno projeto sobre rótulos e embalagens. A ênfase do trabalho consistiu em abordar aspectos da linguagem escrita, uma que vez que os rótulos são excelentes portadores de texto, além de serem facilmente encontrados em nosso dia-a-dia.
Numa primeira fase do trabalho, solicitei que as famílias nos enviassem embalagens vazias, pois esse seria o material básico para o desenvolvimento das atividades. Durante alguns meses, eu e as crianças construímos jogos de memória e quebras-cabeças de rótulos, brincamos de supermercado de faz-de-conta e, também, soltamos a imaginação nos momentos de confecção de bonecos. Em meio a tantas ações, sempre procurei motivar e manter o interesse da turma. Então, nesse ínterim, surgiu a idéia de produzir um fantoche, uma espécie de apresentador de novidades, feito apenas com encartes de propaganda de supermercado, caixinha de creme dental e arames.
Nasceu, assim, o Zé Embalagem. Um simpático bonequinho, todo rotulado de marcas que movimentava seus braços e pernas cada vez que aparecia nas rodas de conversa da turma. A criação do personagem foi importante para que as crianças se envolvessem mais profundamente com proposta de exploração da escrita através das imagens, textos e palavras contidas nas embalagens. Mas não foi só isso. O fato de o boneco ser feito de um material alternativo e conhecido, vindo de coisas simples, como o jornal de ofertas jogado em nossas casas, fez com que as crianças se encantassem com a idéia do re-uso de materiais. Tal encantamento foi essencial para que eles valorizassem mais as sucatas presentes à sua volta, e passassem a desfrutar delas no processo criativo de suas produções artísticas, bem como em suas brincadeiras.
Sobre este último aspecto, vale dizer que há um autor chamado Simão de Miranda que faz uma interessante análise sobre o fato de a criança ter a oportunidade de construir seu próprio brinquedo. Miranda (2002) nos diz que o Brincar é algo típico do ser humano e que a antropologia registra que, desde a Pré-História, “o homem construía seus brinquedos com materiais que lhe estavam disponíveis” (p. 7). Ainda, segundo o autor, há um valioso toque de magia no processo de construção dos próprios brinquedos. “É como se houvesse uma relação de cumplicidade entre a criança e o brinquedo, como se ali estivessem criador e criatura” (p. 8). Na Creche, durante o trabalho com rótulos, as crianças puderam por suas “mãozinhas à obra”. Depois de certo tempo, vimos como elas ficaram orgulhosas diante de seus preciosos artefatos.

Episódio 2: Zé Embalagem ganha um amigo: um robozinho de frascos vazios.

Depois que Zé Embalagem conquistou o carisma do grupo e que as crianças tiveram a oportunidade de explorar as sucatas, outros personagens feitos com o mesmo material passaram a ter livre acesso ao cotidiano do grupo. Um novo amigo vindo diretamente do lixo foi um robô, confeccionado com tampas, parafusos e partes de potes de xampu de tonalidades cinza, semelhantes ao alumínio. O robozinho, apelidado de “Robótulo”, passou a ser muito curtido pelos meninos, meninas e famílias da Creche. As peças usadas na confecção do personagem despertaram as curiosidades de todos que, quase sempre, perguntavam: “Isso aqui é frasco de desodorante?”, “É feito com embalagem de xampu?”, “O nariz é aquele bico de caneta?”.
Como “inventor” dos bonecos, procurei responder que as criações não vinham de uma inspiração mágica, afinal, no momento em que produzimos algo, sempre devemos levar em conta as experiências que tivemos anteriormente. Meus bonecos, certamente, agregavam em si contribuições de idéias, leituras, imagens por mim vivenciados em diferentes momentos de formação pessoal e profissional. No entanto, eu sempre procurei destacar que para se criar algo com sucata, primeiramente, é preciso abandonar a visão de que o lixo é inútil, é preciso ampliar nosso entendimento sobre a questão do reaproveitamento, assim como é necessário valorizarmos a idéia de que é possível criarmos novos objetos (como brinquedos) para nós mesmos e/ou para as outras pessoas.
Episódio 3: As criações se multiplicam. Surgem mais robôs, tartarugas, cachorros, araras...

O lado bom da criatividade humana é exatamente esse: quanto mais a exercitamos, mais as idéias surgem em nossas cabeças! E, quando o assunto é reaproveitamento de lixo, as idéias são infindáveis! Após ter criado os primeiros personagens de sucata, outras criaturas começaram a surgir com mais freqüência. Nesse processo, é interessante destacar, ainda, a capacidade que nós, seres humanos, temos em buscar a superação, o aperfeiçoamento. Assim, a cada novo brinquedo criado para as crianças, uma nova técnica era desenvolvida. Uma tampinha de refrigerante a mais para melhorar a estabilidade do robô em parar em pé ou sentado, uma articulação mais bem definida para ampliar os movimentos, uma orelha feita com bicos de detergente mais coloridos, uma tampa de xampu com um formato apropriado para dar maior mobilidade à boca do personagem.
Além de robôs, também foram produzidas tartarugas feitas com potes de sorvete e tampas de garrafas do tipo Pet, pássaros multicoloridos confeccionados a partir de recortes de frascos de alvejantes, divertidos peixes “nascidos” de embalagens de condicionadores, bumba-meu boi enfeitado com lacres de latas de alumínio. Esteticamente bem elaborados e chamativos aos olhos das crianças e adultos, esses personagens “conversavam entre si”, pois possuíam outros aspectos em comum: suas matérias-primas são o plástico que, como sabemos, trata-se de um produto sintético de alta durabilidade e que, por esta razão, é extremamente difícil de decompor na natureza. Segundo pesquisa no site do Instituto AKATU – pelo consumo consciente – o plástico leva mais de 450 anos para se decompor!
Sem grandes chances de errar, é possível arriscar dizer que o mérito dessas criações está no fato delas contribuírem para a redução do lixo de nosso planeta, ainda de maneira tímida e com abrangência local (no caso, as crianças/famílias da Creche Carochinha). Entretanto, a iniciativa de mirar as sucatas com olhar estético e sensível e de garimpar a beleza do lixo por meio da produção de brinquedos e outros objetos é grandiosa. Conceber que é possível criar a partir daquilo que o outro considera inútil e inválido é re-significar o sentido das coisas, é dar utilidade e vida nova para aquilo que já estava esquecido, abandonado, mas que se mantém presente, se avolumando em montanhas de lixos e contribuindo o aumento dos problemas ambientais da Terra. Acho que estou fazendo minha parte. E você tem feito a sua?

Que tal você também criar seu próprio personagem/brinquedo com sucata?

É simples, o primeiro passo é olhar para aquilo que está pensado em jogar fora. Selecione tampas, garrafas, potes coloridos. Lave, enxugue e seque tudo com cuidado. Observe as peças que possui e veja se seus formatos, cores e tamanhos já sugerem alguma coisa. No caso do peixinho de sucata, o processo é bastante fácil, basta seguir algumas etapas e usar sua imaginação:
Pense nas cores que você quer para seu peixe.
Procure por frascos de xampu vazios (Lembre-se: a idéia é reduzir! Por isso, nada de comprar produtos! Faça o seguinte: veja se seus vizinhos, parentes e amigos possuem algum material!).
Se você é criança, peça ajuda para alguém mais velho. Se já for adulto, mãos à obra! Corte as laterais do frasco escolhido com um estilete como se fossem as nadadeiras. Deixe uma parte sem recortar, ou seja, deixe um ladinho preso ao frasco. Depois, usando recortes de plásticos coloridos de outros potes e embalagens, emende as nadadeiras do peixe com arame. Faça o acabamento.
Fure as tampinhas e coloque-as no lugar dos olhos. A boca pode ser feita com uma outra tampinha da cor que você preferir. O rabinho e as barbatanas podem ser feitos com a tampa do frasco de xampu, condicionador ou outro produto de limpeza. Geralmente, esses produtos são os que possuem as embalagens mais bonitas e coloridas. Com um pouco de paciência e jeito você construirá um lindo brinquedo e, ainda, estará conscientizando sobre a questão do reaproveitamento e, ao mesmo tempo, já estará reduzindo a quantidade de lixo do nosso planeta!
É preciso dar o primeiro passo! A Terra agradece!

Referências bibliográficas:

LEGAN, Lucia. A escola Sustentável: Eco-Alfabetizando pelo ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.

MIRANDA, Simão de. Faça seu próprio brinquedo. 3. ed. São Paulo, Papirus, 2002.

Site pesquisado: Instituto Akatu. Pesquisado em 26.09.2007.
http://www.akatu.net/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13&sid=18&tpl=view_tipo3.htm.